Houve um tempo em que a alma respirava confiança pelas bandas de Vidal Pinheiro.
Atente-se, por exemplo, no sorriso traquinas de Milovac. Poderoso ex-jugoslavo com umas orelhas dúmbicas a pedir meças ao provecto Angulo, Milovac escarnecia com impudicícia a ousadia dos avançados que se atravessavam no seu caminho. O sorriso travesso de Milovac dizia com todos os seus dentes “com que então pensas que vais entrar na grande área e fuzilar a nossa baliza, hã?” e acrescentava, junto ao canto do lábio, “pois é, já vais ver como elas doem, meu caro”. E ainda o avançado estava paralisado com esse verdadeiro canto de sereia que era o sorriso de Milovac, fascinado pelo seu ar de aparente ternura infantil, ao jeito de quem sorve granizados atrás de granizados nas traseiras do pavilhão da escola, e já Milovac lhe aplicava uma tesourada impiedosa capaz de fazer gastar todo o stock de sprays analgésicos do seu clube de uma só vez. Milovac era um autêntico lobo vestido de cordeiro. Djoincevic era mais um lobo vestido de lobisomem – mas isso já são outras contas.
Nikolic, por seu turno, distribuía sorrisos que tendiam para a gargalhada, tamanha era a sua confiança. Sorrisos que despertaram furor no mundo publicitário, pelos sentimentos positivos que traduziam, e que mereceram o seguinte comentário de um famoso publicitário brasileiro: “Nossa, esse cara aí vai londji, pô”. E foi – desde a sua meia-lua até à pequena área contrária. Ele era o grande artista de Paranhos, o mágico que transformava uma bola perdida na lama de Vidal Pinheiro num planeta pleno de viço rolando sobre uma carpete persa. A equipa era uma espécie de Tocá Rufar e ele era um violinista que não tocava Chopin. Já Lalic era uma imitação comprada no bazar chinês de Zagreb – e ao fim de um par de jogos acabaram-se-lhe logo as pilhas e foi rapidamente remetido para uma arrecadação, até que, um dia mais tarde, Edu Brasil redescobriu o seu jeito barato. Edu Brasil era um jogador que não enganava quanto às suas origens – mal alguém olhava para ele, dizia logo: “este gajo Edu Brasil”! Quer Lalic quer Edu Brasil nunca conseguiram atingir o mesmo patamar de fotogenia do sorriso ímpar de Nikolic – consta que nem sequer possuíam uma dentição própria.
Seria tudo um mar de rosas se todos fossem assim, mas não há rosas sem espinhos. E eram os espinhos que incomodavam José Luís, sobretudo quando instados nas partes mais baixas do seu corpo. José Luís fazia beicinho amiúde. Franzia os olhos, achava que havia marosca por trás de tudo. Queixava-se que não lhe passavam a bola, que não tinha direito a colete nos treinos, que o vermelho do Salgueiros realçava a sua palidez, que o Madureira tinha um bafo insuportável, que isto, que aquilo, e então amuou. Foi contrafeito que posou para o cromo. Acentuavam-se as divisões no grupo. Crescia a tensão entre os bem-dispostos e os mal-dispostos.
A alma acabaria por ser entregue às mãos do diabo Linhares. E o Salgueiros, como nós o conhecíamos, sublimou-se pelos ares do progresso, tornando-se num clube sem face. Rui França que o diga. Esse mítico centrocampista com nome de país que emprestou um novo sentido à palavra “sarrafada” e nunca mais o devolveu. Rui França e o Salgueiros resvalaram para o anonimato, eclipsaram-se pela força dos carris metropolitanos. Perdeu-se a glória, ganharam-se acessibilidades. O sorriso passou do adepto para o utente suburbano.
Atente-se, por exemplo, no sorriso traquinas de Milovac. Poderoso ex-jugoslavo com umas orelhas dúmbicas a pedir meças ao provecto Angulo, Milovac escarnecia com impudicícia a ousadia dos avançados que se atravessavam no seu caminho. O sorriso travesso de Milovac dizia com todos os seus dentes “com que então pensas que vais entrar na grande área e fuzilar a nossa baliza, hã?” e acrescentava, junto ao canto do lábio, “pois é, já vais ver como elas doem, meu caro”. E ainda o avançado estava paralisado com esse verdadeiro canto de sereia que era o sorriso de Milovac, fascinado pelo seu ar de aparente ternura infantil, ao jeito de quem sorve granizados atrás de granizados nas traseiras do pavilhão da escola, e já Milovac lhe aplicava uma tesourada impiedosa capaz de fazer gastar todo o stock de sprays analgésicos do seu clube de uma só vez. Milovac era um autêntico lobo vestido de cordeiro. Djoincevic era mais um lobo vestido de lobisomem – mas isso já são outras contas.
Nikolic, por seu turno, distribuía sorrisos que tendiam para a gargalhada, tamanha era a sua confiança. Sorrisos que despertaram furor no mundo publicitário, pelos sentimentos positivos que traduziam, e que mereceram o seguinte comentário de um famoso publicitário brasileiro: “Nossa, esse cara aí vai londji, pô”. E foi – desde a sua meia-lua até à pequena área contrária. Ele era o grande artista de Paranhos, o mágico que transformava uma bola perdida na lama de Vidal Pinheiro num planeta pleno de viço rolando sobre uma carpete persa. A equipa era uma espécie de Tocá Rufar e ele era um violinista que não tocava Chopin. Já Lalic era uma imitação comprada no bazar chinês de Zagreb – e ao fim de um par de jogos acabaram-se-lhe logo as pilhas e foi rapidamente remetido para uma arrecadação, até que, um dia mais tarde, Edu Brasil redescobriu o seu jeito barato. Edu Brasil era um jogador que não enganava quanto às suas origens – mal alguém olhava para ele, dizia logo: “este gajo Edu Brasil”! Quer Lalic quer Edu Brasil nunca conseguiram atingir o mesmo patamar de fotogenia do sorriso ímpar de Nikolic – consta que nem sequer possuíam uma dentição própria.
Seria tudo um mar de rosas se todos fossem assim, mas não há rosas sem espinhos. E eram os espinhos que incomodavam José Luís, sobretudo quando instados nas partes mais baixas do seu corpo. José Luís fazia beicinho amiúde. Franzia os olhos, achava que havia marosca por trás de tudo. Queixava-se que não lhe passavam a bola, que não tinha direito a colete nos treinos, que o vermelho do Salgueiros realçava a sua palidez, que o Madureira tinha um bafo insuportável, que isto, que aquilo, e então amuou. Foi contrafeito que posou para o cromo. Acentuavam-se as divisões no grupo. Crescia a tensão entre os bem-dispostos e os mal-dispostos.
A alma acabaria por ser entregue às mãos do diabo Linhares. E o Salgueiros, como nós o conhecíamos, sublimou-se pelos ares do progresso, tornando-se num clube sem face. Rui França que o diga. Esse mítico centrocampista com nome de país que emprestou um novo sentido à palavra “sarrafada” e nunca mais o devolveu. Rui França e o Salgueiros resvalaram para o anonimato, eclipsaram-se pela força dos carris metropolitanos. Perdeu-se a glória, ganharam-se acessibilidades. O sorriso passou do adepto para o utente suburbano.
5 comentários:
Ah, carai, que saudades destes artistas no meu Vidal Pinheiro. Principalmente do Nikolic. Parabéns, Rodrigues. Revelas um bom conhecimento dos meandros salgueiristas dos inícios dos anos 90.
Nota: José Luís, médio vindo da formação do Salgueiros, habilidoso mas franzino. Passou ainda pela União de Leiria após ser dispensado pelo Filipovic no final da época de 90/91. Parecia ter futuro, mas acho que acabou a carreira ainda antes dos 30 anos. Por opção.
nunca tinha feito a associação entre o Milovac e o Conan O'Brian.
De facto, um pouco mais de gel naquela franja e o Milovac ficaria pronto para o Tonight Show.
Milovac = Tintim
Djoncevic = Cap. Haddock
José Luis = Dave Mustaine com a cabeleira cortada.
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